Para Adib Jatene, ao contrário do que dizem autoridades da área econômica, o problema do sistema de saúde brasileiro não é de gestão e sim de falta de recursos. Crise no setor só acabaria com reforma tributária e diminuição da concentração de renda |
28/09/2007
Por Fábio de Castro
Agência FAPESP – O problema do sistema de saúde brasileiro não é a gestão, é a falta de recursos. Para aumentar recursos e superar a crise no setor, o país precisa diminuir a concentração de renda por meio de uma reforma tributária.
A idéia foi defendida pelo ex-ministro da Saúde Adib Jatene, do Hospital do Coração, nesta quinta-feira (27/9), durante o 3º Simpósio Avanços em Pesquisas Médicas, em São Paulo. O evento foi promovido pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
Traçando um diagnóstico do setor de saúde, Jatene defendeu enfaticamente que a gestão do sistema, embora tenha problemas, é bastante eficiente em relação aos recursos de que dispõe.
“A área econômica do governo e parte do setor empresarial procuram impor à população a idéia de que não nos faltam recursos e sim gestão. Dizem que a carga tributária é elevada e o volume de recursos à disposição do setor é muito grande. Isso é uma completa falácia”, disse Jatene à Agência FAPESP.
De acordo com ele, a Constituição estabelece que a saúde deveria receber 30% do orçamento da seguridade, que é de R$ 370 bilhões em 2007. O valor seria de R$ 110 bilhões, mas o orçamento do Ministério da Saúde não passa de R$ 44 bilhões, incluindo a parte contingenciada.
“É ruim uma gestão que consegue, com esses recursos, internar 11,5 milhões de pessoas, financiar todos os transplantes de órgãos, mais de 70% das cirurgias cardíacas, quase toda a hemodiálise e medicação para análise, fazer uma vacinação em larga escala que é a melhor do mundo?”, questionou o professor.
A organização do sistema único de saúde num país sem tradição democrática foi, de acordo com Jatene, uma demonstração de boa gestão. “É uma engenharia complexa articular decisões numa Federação, contando com Conselhos em três níveis de governo, com participação popular.”
Eliminar fraudes e irregularidades, criar a programação integrada, estimular a organização dos municípios em consórcios intermunicipais, de acordo com o ex-ministro, são outros exemplos de gestão bem-sucedida.
O Programa de Saúde da Família, segundo ele, também foi fruto de gestão. Como uma grande massa da população mora em lugares onde os profissionais de saúde não querem morar, não se podia montar um sistema de atenção básica centrada no médico. A estratégia foi centrá-lo no agente comunitário de saúde.
O agente, explicou Jatene, mora na comunidade e acompanha de perto um núcleo de 100 a 200 famílias, atuando em prevenção. A cada cinco agentes são agregados, num posto de saúde, um médico em tempo integral, uma enfermeira e um auxiliar de enfermagem. “Isso teve um impacto dramático na redução da mortalidade infantil e no aumento da expectativa de vida”, afirmou.
Segundo Jatene, hoje há 200 mil agentes e 30 mil equipes de saúde da família cuidando de cerca de 80 milhões de pessoas. “Mas isso não chega à metade da população brasileira. O programa não pode se esgotar nesse modelo, que funciona bem, mas não tem como ser expandido. São necessárias equipes de especialistas para dar cobertura às equipes de saúde da família. Evidentemente é preciso aumentar os recursos.”
Concentração de renda e sonegação
O ex-ministro afirmou que a deficiência da infra-estrutura é desproporcional à riqueza do país. O problema do financiamento da saúde, de acordo com ele, está relacionado à má distribuição de renda, que tem base em várias formas de elisão e evasão fiscal.
“Somos o país de maior concentração de renda do mundo. Isso acontece por uma única razão: quem gera a renda se apropria dela. Só existe uma maneira de se fazer isso: sonegando”, disse.
Para o professor, a carga tributária do país não pode ser considerada elevada. “Essa carga de 35% que se apregoa não é correta, porque ela é calculada sobre o [Produto Interno Bruto] PIB oficial, mas o PIB real é 20% a 30% maior”, disse.
Além disso, a fatia da previdência social, de 15% da arrecadação federal, não deveria ser considerada como recurso tributário do governo, de acordo com Jatene.
“Previdência é recurso dos aposentados. Isso não pode servir para dizer que a carga tributária é alta. Na verdade, ela só é alta para quem ganha pouco, porque no Brasil o sistema é baseado na taxação de produtos, bens e serviços, atingindo o consumidor”, explicou.
Nesse contexto, diz o professor, a arrecadação do governo é pequena e não consegue atender às necessidades de uma população que se urbanizou em grande velocidade.
“Temos que fazer uma reforma tributária, mas isso é uma grande encrenca, porque quem deve fazê-la é o Congresso. E quem o elege não é quem vota e sim quem financia campanhas e tem interesse em manter a concentração de renda”, disse.
O ex-ministro utilizou o caso da CPMF para ilustrar a profundidade do problema fiscal. De acordo com ele, quando foi regulamentada, a contribuição foi acompanhada de um artigo que proibia que a Receita Federal usasse seus dados para fiscalizar o pagamento de imposto de renda, encobrindo a sonegação.
Quando se permitiu o cruzamento de informações, de acordo com ele, a arrecadação Federal passou de R$ 6,5 bilhões por mês para mais de R$ 20 bilhões por mês. Dos cem maiores contribuintes da CPMF, 62 nunca tinham pago imposto de renda.
“Quando cruzamos informações a arrecadação triplicou e isso não quebrou ninguém, as exportações vão bem e as reservas se mantêm. Mas, além da CPMF, a legislação ainda tem muitos outros mecanismos de elisão, de não-pagamento de tributos, de evasão de recursos por multinacionais e isenção de toda ordem”, declarou.
Fonte Uol Notícias
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